O retrocesso da briga familiarPor anos da minha vida eu odiei o meu pai. Anos. Eu cultivava uma raiva por ele como se fosse um jardinzinho. Todos os dias, eu regava, adubava, colocava no sol e a minha florzinha de ressentimento ia crescendo um pouco todo dia, linda e formosa.
A minha birra se justificava com o fato de o meu pai não ter me confirmado como pessoa nem como mulher. Para mim, ele não me amava, afinal, não demonstrava nenhum sinal para que eu pensasse o contrário.
Entre nós, não existia o mínimo diálogo. Quando ele se propunha a conversar comigo, era para me cobrar alguma coisa ou para me lembrar o quanto eu era irresponsável por ter esquecido a data de pagamento da faculdade ou desorientada por não ter noção de ruas e bairros. Lembro até hoje das vezes em que ele levou a mão à testa, indignado, e me disse, repetidamente, "Gabriela, meu Deus, como você é perdida! Por favor, se esforça pra pensar, ser burrinha não é bonito, sabia??". Aquilo entrava em mim e era absorvido pelo meu coração como água na toalha.
E claro, isso tudo só reforçava a minha raiva. Eu gritava com o meu pai, batia o telefone na cara dele e sempre que podia, o lembrava, aos berros, da droga de pai que ele era.
Eu não vi acontecer, mas com o passar do tempo, a única referência que eu tinha dentro de mim era esse sentimento obscuro. Algo negro que só crescia em meu interior e que, sem eu notar, consumiu a minha personalidade. Eu vivia em função desta mágoa.
Além de ter sido uma pessoa amarga já a partir dos meus 14 anos até os 19, os meus conceitos de homem e mulher foram completamente distorcidos. O que meu pai representava em minha vida (abandono, dor, frustração) passou a ser regra e eu comecei a associar o que eu vivia em casa com os outros homens.
Peguei nojo do sexo masculino já cedo. Na minha opinião, eram todos uns crápulas insensíveis e imprestáveis, que estavam neste mundo com uma única finalidade: me machucar. Eu sentia que precisava ficar longe de todos eles se quisesse sobreviver e ser razoavelmente feliz.
Ao mesmo tempo, eu cultivava paixões doentias por homens idealizados e inalcançáveis, como atores e líderes de banda. Passava o dia idolatrando fotos na parede. Vivia em um mundo paralelo e irreal, em que eu conversava com príncipes imaginários e passava por experiências que tinham saído diretamente da minha imaginação e nada tinham a ver com a realidade. A forma que eu arranjei de suprir toda aquela carência que eu nutria de uma presença masculina em minha vida.
O meu papel de mulher também sofreu prejuízos. Como não havia sido confirmada pelo meu pai, sem nunca ter ouvido um "filhinha, como você é bonita" e coisas do gênero, cresci achando ser uma planta aquática: assexuada. Sem forma, sem cor, sem brilho. Eu era mulher, mas não me sentia como uma. Me vestiria, na época, com um saco de estopa se pudesse. Tudo o que eu queria era me esconder.
Tudo por causa de uma relação mal-resolvida com o pai.
Foi então que eu conheci uma pessoa. E enxerguei todas estas coisas.
A primeira coisa que percebi era que, por causa da lacuna que eu carregava, me transformei em uma demanda tão grande e pesada, que meu pai, vendo que não conseguia dar conta, passou a se sentir sufocado e a fugir do nosso relacionamento.
A segunda coisa que entendi é que o papel de pai perfeito, aquele dos meus sonhos, jamais poderia ser desempenhado pelo Seu Cláudio. Ele, como ser humano, também tinha limitações, carências e frustrações, que, em alguns casos, o permitiriam ser ótimo, mas em outros o impediriam de ser amável e compreensivo.
A terceira revelação que tive veio quando estava lendo a Bíblia, em Efésios capítulo 6, já nos primeiros versículos: "Filhos o dever cristão de vocês é obedecer ao seu pai e a sua mãe, pois isto é certo. (...) Faça isso a fim de que tudo corra bem para você, e você viva muito tempo na Terra". Eu entendi o que estava por trás da letra.
Vi, como em um filme, todo o tempo que eu perdi cultivando sentimentos destrutivos pelo meu pai. E como eu poderia ter sido muito mais saudável se tivesse simplesmente seguido a palavra, honrado o meu pai e entendido que ele merece ser respeitado não por quem ele é, mas sim pelo cargo que ele ocupa em minha vida.
Hoje, vejo claramente que toda aquela carência e aquele vazio, o meu pai da Terra não seria capaz de erradicar. Mas o meu Pai do Céu, ah, este sim é capaz de me resgatar do lodo e me transformar em alguém diferente.
Eu precisei ser restaurada. Minhas opiniões foram remodeladas, meus pontos de vista refeitos e minha capacidade de amar aperfeiçoada.
Percebo que, por causa de um relacionamento patológico em família, algumas pessoas não conseguem progredir e se permitirem ser seres humanos melhores. Cuidado. Angústia e ressentimento se transformam em obstruções.
Lendo a Bíblia, em Mateus, percebi que Jesus entendia do psicológico humano. E falava com propriedade quando o assunto era pai. Ele sabia que, sem um relacionamento de respeito em casa, o caráter de um filho pode ser corroído com facilidade.
Abrir mão dessa dor e entregá-la nas mãos dEle é a resposta.
Talvez você não acredite. Não tem problema, eu te amo e respeito mesmo assim.