Hoje está chovendo. A luz acabou de voltar. No escuro mesmo, eu pensei que talvez hoje fosse um dia para ver um filme bestinha com o John Travolta sobre uma conspiração militar. Ou quem sabe tomar uma sopa de cebola com cenoura, pimentão e jiló, feita pela minha mãe, que nunca acerta uma santa sopa, mas hoje não se sabe por quê, acertou. Ou ainda, talvez hoje fosse o dia ideal para se descobrir que várias pessoas não prestam.
Não sei se é a chuva, o tempo feio, nuvens carregadas, os constantes cabum's dos trovões, mas algo anda errado com as pessoas. Pelo menos no lugar em que eu trabalho.
Hoje, congelando de frio por causa do ar-condicionado, no meu vestidinho rosa, eu estava sentada lá no estúdio da rádio com o sorriso costumeiro (jeito chic de chamar minha cara de pastel). Sempre feliz. Tem gente que tem cara fechada naturalmente, tem gente que é triste, tem gente que dá risada à toa. Eu sou assim, riso frouxo. Então estava eu lá, com o sorriso frouxo, meio simpática, meio pingüim, quando o chefão entra e começa um briga com um dos estagiários. Horrível. Eu odeio presenciar brigas. Eu começo a passar mal, ficar meio tonta, com ânsia de vômito, é ridículo! Uma mulher de 21 anos na cara que não consegue presenciar uma briga sem ter um negócio quase que no embalo dos gritos.
Só sei que daí eu era um pingüim, com cara de pastel, que estava passando mal. A discussão foi aumentando, os dois quase fazendo bolinho no chão, e eu piorando nas mesmas proporções.
Saí de lá. A minha chefe perguntou se eu estava bem. Eu disse que mais ou menos. Devia estar com uma cara péssima. É só imaginar um pingüim com cara de pastel e passando mal. Usando um vestido rosa claro ainda por cima.
Passou.
Recuperei-me o mais adequadamente que eu consegui e segui com a jornada de trabalho. Voltei a ser feliz. Sorriso frouxo, pingüim feliz, vestido rosa recebendo elogios, pessoal notando o emagrecimento... Até que encontro com um colega de trabalho. Olhou seco e direto para o meio das minhas pernas. Deu uma geral no vestido e fez cara de quem gostou. Desconfortos mais tarde, houve diálogo. Papo podre. Conversinha com tendências machistas, meio que pulando para o pornográfico, dando uma passadinha no vazio cerebral. Decepção. Tédio. Pena, talvez. Sei lá, brochou.
Fiquei meio indignada. Minha metade pingüim estava querendo se afogar em alguma pocinha de gelo derretido. Minha metade riso frouxo queria sair correndo e berrar em prantos. E eu, como um todo, me senti meio perdida. Pedi pra Jesus uma orientação, esperei um pouco, recebi a direção e toquei a vida.
Mais pra frente, vivi alguns instantes legais. Conversei com um outro colega que, ao contrário do outro, era querido, atencioso, paciente e delicado. Fino. Daqueles que não olham para a mulher... Tá, daqueles que não olham pro meio das pernas da mulher antes de dizer bom dia. Daqueles que não olham pras coxas, olham primeiro nos olhos. Gostei mais de conversar com esse. O fator sorriso frouxo voltou ao normal em questão de segundos.
Aí vi mais uma amiga que eu adoro, meu lado pingüim oficialmente desistiu do suicídio aquático e eu fiquei mais feliz como um todo.
Depois encontrei com o tarado-escrotão-caminhoneiro-comedor de novo e a Gaby como um todo quis socá-lo e dizer o quanto a tentativa dele de impressionar era manjada e previsível. Falar pra ele que apesar do esforço descomunal, eu conseguia perceber a insegurança embutida naquele discurso. Dizer também que ele precisa de um pai e de uma mãe, mas que não era sua culpa se não os tivesse. Enfim, essas coisas que a gente diz quando quer provocar uma reflexão num cérebro jogado às moscas.
Continua chovendo. Eu estou ouvindo Gipsy Kings, tentando imaginar o que eu faço com todos esses sentimentos cotidianos. Como se desse para fazer algo com eles... E eu nem posso me animar muito porque Segunda-feira eles estarão lá de novo. O chefão, as brigas, o colega tarado, o colega querido, as intrigas, o meu lado pingüim, a minha cara de pastel... Tudo lá. É... Eu vou ter que arranjar uma maneira de ser feliz com essa bagagem toda.
  ¶ 12:13 AM 0 Comentários