quem sabe o chato virou um príncipeVitória estava apaixonada por um xarope. não tinha formato de frasco, mas o indivíduo era um xarope. tinha a mania de corrigir erros de português nas frases dos outros. não precisava ter intimidade com a vítima, corrigia sem dó. até porque, não via a iniciativa como algo incoveniente. acreditava realmente que estava fazendo um bem para a humanidade e transformando o mundo em um lugar melhor. "ir até lá é uma perca de tempo". rápido como um assovio, ele lançava: "
perda de tempo". caso ouvisse alguém comentando que "talvez seje menos trabalhoso...", novamente ele saltava: "talvez
seja menos trabalhoso". um mala talentoso.
Vitória o amava perdidamente. até mesmo nos instantes em que o cara a corrigia. ela amava um xarope e não tinha nada que ninguém pudesse fazer a respeito. a propósito, o indivíduo era um chato também porque duvidava de tudo. nada o convencia porque, em sua mente esquisita, conceitos de certo e errado já estavam prontos. tudo o que fosse contrário ao que acreditava ou que se opusesse ao que ele havia aprendido, era metralhado. se alguém se atrevia a dizer perto dele que "eu odeio meu pai porque ele traiu a minha mãe e até hoje, a trata como lixo", o xarope logo revidava dizendo que "os assuntos pendentes entre seus pais, que são da atmosfera marido-e-mulher, não deveriam interferir no que você pensa a respeito do seu pai. se ele não foi um bom marido pra sua mãe, ela deveria ter feito outras escolhas, como por exemplo ter se divorciado dele. você deveria considerar apenas a performance dele como pai e não como marido na hora de decidir se o ama ou não". chato chato chato.
Vitória não se importava com nada disso. aliás, nem enxergar Vitória enxergava esses comportamentos desagradáveis. ela apenas amava o xarope como ele era, assim, todo xarope. porque ao contrário de mim e de você, ela via características nele que a deixavam animada nos dias cinzentos e reconhecia que o xarope tinha um potencial forte para fazê-la feliz. porque era carinhoso, a tratava com respeito e dizia aos quatro ventos que Vitória seria a mãe de seus filhos.
talvez Vitória não estivesse tão cega de amor assim. no fundinho, torcia para que, quando viessem as crianças, elas não puxassem o genzinho de xaropice do futuro marido. mas caso puxassem o pai, ela os amaria mesmo assim, xaropes e tudo. porque ninguém é perfeito, ao contrário do que muita gente exige por aí.