eu sei que nada sei.
quisera eu ser um sansei
meio nissei
e na planta o androsei...
tá, deixa pra lá...
Se você pudesse assistir a vida passar como um filme... Seria engraçado poder observar de fora tudo o que já passou pelo seu caminho e como tudo se desenvolveu. Não estou falando daqueles momentos com a sua família, ou daqueles da sua infância ou da vez em que você aprendeu alguma coisa importante... Não desses momentos que eu falo, ou pelo menos, não desses momentos vistos da maneira superficial que você normalmente enxerga as coisas.
Ver TV, por exemplo. Lazer que te acompanha desde pequeno. Algo que dá para se dizer que você fez a vida toda. Porém, você nunca deve ter parado para pensar em como o seu lazer é alienado e que a TV é o meio de comunicação de massa mais manipulador de mentes. Soou agressivo, não soou? Mas sinta-se assim, porque é assustador mesmo. Ou você acha que o fato de todos ao seu redor serem completamente passivos ao sistema é coincidência? Deixa eu lhe contar uma coisa. A época da Revolução Industrial foi uma época em que o homem do campo saiu do meio agrícola para tentar a vida na cidade, nas fábricas. Mas se iludiu ao pensar que conseguiria melhores condições de vida. A vida nas fábricas só reforçou a vida de merda que ele já tinha, mas agora com algumas renovações que englobavam exploração da mão-de-obra, salário miserável e falta de atendimento público. Quer dizer, o operário era praticamente escravo dos mais poderosos. Então depois da jornada de trabalho, chegava em sua casa caindo aos pedaços, não tinha nada para comer, mulher histérica, criança chorando... Resolvia dar uma volta. E encontrava com um vizinho:
- Oi.
- Oi.
- Que dia horrível, não?
- Nem fale... A minha vida está uma merda.
- A minha também.
- E se nós juntássemos todos que estão com a vida uma merda e fizéssemos alguma coisa para mudar isso?
- Você diz protestar sobre o que nós não gostamos e exigir melhores condições de vida?
- Isso! E exigir salários maiores e menos horas de trabalho.
- Nossa, demorô!
E isso fez dessa época a época com mais revoluções de toda a história. Porque os homens uniam-se e fazia alguma coisa. "Ah! agora ela quer que eu saia quebrando tudo e berrando nas ruas como na época da Revolução Industrial", você deve ter pensado agora. Bom, se esse seu pensamento for encarado como uma metáfora, é isso que eu quero sim. Por que você acha que existe televisão, rádio, novela, Gugu, Faustão, música sertaneja, filme de ação, cinema baratinho...? Pois eu te respondo: para que você e seus vizinhos não saiam dar uma volta, encontrem-se, conversem sobre a vida de merda que vocês levam e resolvam fazer alguma coisa. "Só para isso?", você pergunta. Não, também é para que, além de alienado, você fique apático aos problemas do governo, não tenha cara de protestar quando este cometer mais uma cagada e não dê dores de cabeça para eles, os detentores do poder. É o famoso "pão e circo" que os imperadores romanos fizeram. Colocam você numa arena, te servem comida e mostram grandes atrações para você ficar entretido. E calado.
Vou narrar uma cena bastante famosa que acontece em todos os lares na hora da novela das oito. Senta a mãe, o pai e os filhos no sofá. A criança mais nova nem gosta de novela, mas ela tem que assistir e ficar quieta senão é capaz de levar uma surra. De repente, ela sente fome: "Mãe, estou com fome". E a mãe, ocupada demais com a cena de amor entre a mocinha e herói, diz: "Ssshh! Depois, filho, no comercial". E a TV continua ligada na sua casa até mesmo na hora do jantar. Ninguém conversa, ninguém troca idéias, ninguém abre a boca. Conversas produtivas, argumentos ricos entre você e seus familiares? Não existem. A televisão é a única permitida a falar e só o som dela é ouvido na casa toda.
A propósito, e se o som fosse desligado? É, ficar no silêncio total, sem nenhum tipo de barulho para te distrair? Você não gosta, não é? Ninguém gosta de ficar no silêncio. "Ai, liga uma musiquinha aí, vai". É lógico... A musiquinha toma a sua concentração e não deixa você pensar nos seus problemas. No silêncio, a gente faz o que é chamado de "pensar na vida". As pessoas tendem a não gostarem de pensar na vida. Porque é no silêncio que você mais faz isso; é no silêncio que você conclui que tudo poderia estar melhor e percebe que se a sua vida não está ótima, o responsável por isso é você. Só você pode mudar alguma coisa. E é disso que o sistema não gosta. Pensamentos críticos.
Quantas vezes você já não suspirou preocupado porque na sua casa o dinheiro está curto, a situação está cada vez mais difícil, e comentou com algum amigo seu: "eu acho que eu vou no cinema esquecer um pouco dos problemas". Aí você vai lá, assiste ao filme novo do fofo do Leonardo Di Caprio ou da gostosa da Pamela Anderson, sai do cinema tranqüilo e chega a esquecer por uns instantes que o seus pais ganham mal, que o vale-transporte está muito caro, que todos os seus amigos já foram assaltados porque a violência aumenta a cada dia e os políticos que deveriam te representar lá na Câmara estão muito ocupados roubando o seu dinheiro. Então você vai para casa e, em vez de pensar de modo crítico e construtivo, você deixa para mais tarde tudo isso e deita assistir ao seu programa de TV favorito. "E não percebe que o programado é você", como disse Gabriel O Pensador em uma de suas geniais músicas.
Se você pudesse assistir a vida passar como um filme... Talvez você faria o sistema mais feliz. Agora, se você pudesse participar da vida como dono dela e desligasse um pouco a televisão e o rádio para perceber sozinho o que está a sua volta, você estaria não só dando vez ao seu grito, mas também aprendendo a ter pensamento crítico. Sair, dar uma volta e decidir com o seu vizinho fazer uma revolução pode sim ser uma boa idéia.
