enquanto comia um bolo fajuto de baunilha, pensava em como a vida é engraçada. presa em um estúdio de FM, ao vivo, refletia sobre suas mãos atadas. depois de acenar para o operador do estúdio da frente (tudo é forrado por vidros por aqui), voltava-se a tela plana do computador, adquirida recentemente pela cúpula da empresa, questionando-se sobre o certo e o errado. o dia estava bonito lá fora. sol, ventinho fresco, sombras, árvores frondosas, e ela angustiada com a dúvida olhando entediada para a tal da tela plana, que no fim das contas não fez tanta diferença porque o computador continua o mesmo banguela sem vergonha.
a dúvida, para muitos, poderia ser estúpida e descartável. ainda mais sendo a respeito de Deus. naquele estúdio de FM, ela pensava o que Deus andava pensando de seus comportamentos. a coisa nunca a tinha pegado assim, de forma tão existencial, tão densa. sequer tinha coragem de olhar pra cima, em direção ao teto, porque temia que os olhos de Deus estivessem ali, sedentos, pedindo "fala, fala, pode falar". eram tantos pecadinhos diários. não suportava o cheiro do cara que fazia a manutenção do estúdio, mentia pra fugir dos passeios chatos com a parentada, inventava desculpas para faltar as reuniões do grupo da igreja, atentava o namorado, dava cotoveladas no ônibus na ida pro trabalho, se irritava com velhos, pisava em formigas, não tinha paciência com a mulher do seu pai, era gulosa nas churrascarias...
continuava olhando pro monitor de tela plana. chiquérrimo. uma tela tão linda pra um computador tão defasado. exatamente como ela se sentia. um desconforto a pegou na cadeira quando pensou que todos os seus pecadinhos eram vistos de cima, numa espécie de camarote divino, pelo Todo Poderoso. Aquele que a tinha criado devia estar reprovando tudo o que ela andava fazendo. vergonha. os princípios que carregou a vida inteira em seu coração de moça, andavam meio largados nos bueiros da vida. culpa. sentia-se desvirtuada. sentia vontade de deletar sua existência.
mas continuava presa no estúdio de FM. com as mãos atadas. agora, com os olhos cheios de lágrimas.
foi então que Deus colocou a mão no seu ombro.
e ela chorou como se precisasse regar o mundo.