que dia intelectual que eu tive. hoje na rádio eu entrevistei ninguém menos que Dori Caymmi. foi pelo telefone. tem noção do meu nervosismo? entrevistar esses caras ninjas é tipo um marco na carreira de um jornalista. prova de fogo mesmo. eu estava completamente em pânico. uma besteira que eu falasse, uma bola fora, eu queimava a minha cara, cagava na entrevista e o homem ia passar a me ver como um reles montinho de fezes canina. e sabe como é a Gaby aqui, né... sempre assombrada pelo fantasma do "você só tem 21 anos, você não sabe nada" e "você só tem dois anos de experiência na área" ou "você conhece pouco demais pra entrevistar um Caymmi". ainda mais sobre música brasileira, que é um assunto que eu adoro! eu jamais me perdoaria se eu trocasse o nome de um compositor, se eu falasse errado o nome de uma música, ou se, sei lá, eu escrevesse "Caimi" na matéria em vez de "Caymmi". seria extremamente corrosivo pra mim.
quando eu tenho entrevista com alguém, normalmente eu meio que leio a pauta na hora, começo com uma pergunta geral, pro cara começar falando. aí eu vou ouvindo o sujeito e lendo a pauta ao mesmo tempo, e vou perguntando a medida que a coisa vai acontecendo. mas com Dori Caymmi não tinha a menor chance de eu sair na louca, dando uma de jornalista aventureira. porque se existe uma coisa na minha existência que não existe na minha existência é o espírito aventureiro. talvez eu devesse arriscar mais, ser mais do tipo pega-a-mochilinha-e-vamos-para-Buenos-Aires-de-roller, mas eu não sou. ainda mais quando a situação envolve o fator Caymmi.
beleza, liguei pro assessor dele. "O Dori já está te esperando" e me passou o telefone do hotel. mais uns segundos de reflexão antes de ligar. no meu estômago residia um cubo de gelo.
"Alo?", atendeu aquele vozerão totalmente grave e rouco.
"Com quem eu falo?", perguntei, assim, super casual.
"Dori".
"Dori, aqui é a Gabriela da rádio, tudo bem?", super informal, preparada, acostumadérrima a lidar com caras mentalmente e profissionalmente incríveis, a repórter padrão.
aí foi. e sabe o que eu descobri? que eu até que manjo, rapá! a conversa fluiu, fluiu... rendeu meia hora de entrevista. para o rádio, isso é MUITA coisa. pra você ter uma idéia, as minhas entrevistas normalmente tem 10 minutos de duração e olhe lá. eu ouço, tiro os trechos que eu vou usar e só. mas com o Dori, cara, rendeu tanto. ele contava, contava, e eu perguntava, morria de curiosidade das coisas, entendia do que ele falava... foi muito legal! uma hora a segunda linha do hotel tava tocando e ele: "você espera só um minutinho?". aí eu disse que sem problemas. então ouvi lá no fundo:
"Ô, FULANO! VÊ PRA MIM QUEM É O INFELIZ QUE TÁ LIGANDO AQUI! FALA QUE EU NÃO POSSO FALAR AGORA!". aí ele voltou: "alo?".
"oi, oi", eu disse.
"sabe que eu acho até que é a minha mulher me ligando. mas dane-se, eu não vou parar de falar agora" e riu, brincando.
terminei a entrevista toda feliz. achei o máximo falar com ele. corri na discoteca da rádio pegar um cd dele pra colocar músicas na matéria e encontrei com o produtor musical: "Ai, Dirceu! Amei falei com o Dori Caymmi! ele é um amor!". o Dirceu fez cara de bunda e disse: "nossa, você é a primeira pessoa que eu ouço dizer que gostou do Dori". eu: "ué, mas por quê?". ele: "Gaby, ele é muito mal-humorado. os Caymmi são assim, todos eles têm esse jeito bem azedo".
pô... fiquei mais feliz ainda. não levei coice, nem nada, quer dizer que correu tudo bem.
e fora que, putz, conversar com um cara desses é como ler 13 enciclopédias de MPB numa sentada. é tipo aqueles cursos de "seja um mecânico de locomotiva em doze horas". e a minha matéria ficou lindíssima. vou ver se eu levanto cedo amanhã, que eu tô de folga, pra ouvir o jornal e gravar . que linda que ficou, toda musicada...
aliás, esqueci de comentar com ele... graças ao pai dele, Dorival Caymmi, é que eu não tenho mais sossego por causa do meu nome. "Gabrieeeeela... Sempre Gabrieeeelaaaaa...". ;)