Carta de uma escritora para sua amiga escritora, parte I

Mas eu acho que a gente sempre acaba se colocando no papel mesmo. Afinal, a tendência é você escrever de coisas que você mais entende ou já acompanhou de perto. A Izabela é uma mistura de mim com coisas que eu vi dentro da minha família com coisas que a minha tia psicóloga já me contou que viu em clínica com coisas que eu acompanhei de amigas bizarríssimas... É uma misturéba. Mas tem muito meu também. O problema com o pai eu sempre coloco. Eu não sei escrever sobre personagens que são completamente felizes com suas famílias, principalmente com o pai. Até porque, acho que isso não existe, família perfeita. O que acontece é uma família feliz, um convivendo com o defeito do outro. Mas não perfeita. Então, o problema com o pai. Desta vez, quem foi sorteado foi o Juliano, o personagem da história que eu estou escrevendo. O saco é que a minha atual situação com o meu pai não me permitiu escrever melhor sobre o tema. Eu preciso superar isso e falar mais do pai do Juliano. Eu preciso contar que o Juliano se sente completamente abandonado às vezes, que ele tem uma mágoa do pai absurdamente grande, que o consome mesmo ele não falando do assunto, que mesmo ele achando que esqueceu do assunto, o negócio continua vivo como bichinhos de microscópio que a gente vê em documentário do Discovery.
Você comentou da Felicity... Gente, esse seriado marcou a minha vida. Eu amo aquela história. Estava assistindo esses dias à tarde o primeiro capítulo. A Sony está reprisando tudo, desde o comecinho. Quero acompanhar tudo de novo. Eu era tão Felicity na minha adolescência. Tão Felicity, você não faz idéia. Eu era mané como ela, que gostava do cara lindão sem nunca ter sequer trocado um bom dia com ele. Eu sempre fui assim. E foi tão estranho ver esse primeiro episódio de novo, em que ela e o Ben estão se formando e ela pede pra ele escrever um treco no yearbook dela. Aí ele escreve que sempre reparou nela, pensando no que ela pensava, sempre quis saber como ela era, talz... Um dia, isso aconteceu comigo. Na oitava série, eu era apaixonada pelo Luiz Eduardo, um cara popular do colégio (ele era da minha sala), aí no final do ano, a minha melhor amiga começou a ficar com ele e por causa disso, ele começou a puxar papo comigo. No começo, eu nem respondia direito, e ele insistia, puxava papo comigo, perguntava coisas estranhas, se preocupava com as minhas opiniões, queria saber do que eu gostava... Aí depois, quando a gente ficou mais próximo, ele veio me dizer que passou o ano inteiro querendo conversar comigo e nunca teve coragem porque eu era muito fechada. Dá pra imaginar a minha estabilidade emocional pra onde que foi nessa hora, né. Disse que ficava me observando com os outros e me achava tão diferente... Mas nunca teve coragem de falar comigo. Ai, como eu era esquisita. Eu ficava lá na sala, conversando e dando risada só com mulher (naquela época, homem pra mim era algo de outro mundo... ai, que pateta) e tirando nota boa. Era só isso que eu sabia fazer. Passei muito tempo da minha vida assim. Muito mesmo. Agora, as mudanças ainda me assustam um pouco. Hoje eu vivo como uma mulher normal, aquilo que eu sempre ouvi minhas amigas contarem e achei que jamais ia acontecer comigo, agora acontecem. Os caras me convidam pra ir ao cinema, pra sair, um outro se declarou pra mim esses dias... Tipo, isso é normal pra muita mulher. Mas essas coisas nunca aconteceram comigo. Aí fica todo mundo dizendo que eu estou bonita, que eu estou isso e aquilo... Tem um amigo meu, o Mateus, ele é da turma com quem eu ando, meus amigões de tempos já. São mais ou menos umas vinte e cinco pessoas. E o Mateus sempre foi o Homem do pessoal, com "H" maiúsculo. Ele é todo bonitão, sabe. A minha mãe adorava ele, chamava ele de Brad Pitt. E ele é muito legal, faz o tipo homem bem-resolvido, que, inclusive, muito me agrada. Uma época, a gente estudou no mesmo colégio. Só que não na mesma sala porque ele era mais velho, talz... Nessa época, a gente era muito amigo, ele me chamava de Gabyzão, pra você ter uma idéia. Me tratava tipo de igual. Com o vestibular, a gente parou de se ver. Fomos nos reencontrar há pouco tempo atrás, tipo há um ano e meio (parece muito, mas não é). E nossa, mudou muito. Ele me trata como mulher, sabe. No começo, ele dava em cima de mim, e eu levava na brincadeira. Eu chegava nas festas, ele dizia: "Meu, que gostosa. Hoje eu não me agüento, hoje eu agarro", mas ah, eu nem levava a sério. Depois, ele começou a falar na minha cara coisas que ele achava de mim. Semana passada, a gente se viu em um jantar de noivado de uma prima minha, que é amiga dele também. Ele não conseguiu conversar muito comigo. A namorada dele estava junto, por isso achei que, sei lá, ela era ciumenta ou algo assim. Aí essa semana a gente se encontrou no ICQ e ele começou a falar: "Gaby, eu preciso te falar uma coisa. Não é uma cantada, tá?". Eu: "Ah, beleza". Ele: "Você está linda. Cada dia que eu vejo você, você está mais gata". Eu: "ai, Mateus, quem me dera...". Aí ele perguntou se eu estava namorando, eu disse que não. Ele ficou todo indignado, disse que esses homens estavam dormindo, bando de idiota, que ele que queria estar namorando comigo e talz... Tudo bem que hoje ele está meio acabado, mas o conceito de Mateus, aquele que eu sempre admirei, permanece. Por isso, saber que ele pensa isso causa impacto pra mim. Essas coisas ainda me assustam, sabia? Às vezes eu ainda meio que me sinto com 15, 16 anos, horrorosa, feia, comum. Agora eu te pergunto. Sabe o que mudou em mim desde a época em que eu me sentia feia? Absolutamente nada. Eu continuo gordinha, meu cabelo continua enrolado, a minha pele até deu uma pioradinha (mas isso é temporário porque eu voltei com o Diane, deixa só fazer efeito)... Nada mudou. Mudou dentro de mim. Os reflexos que o amor próprio traz pra sua vida são algo milagroso. Depois que eu comecei a fazer terapia e conheci Deus de verdade, nossa, tudo mudou pra mim. O problema de relacionamento com o meu pai estava me consumindo, estava afetando o meu jeito de ver os homens. Hoje eu me sinto muito bem. Ainda tem que melhorar algumas coisas, superar uma questão aqui, outra ali, mas está indo.

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